terça-feira, 27 de janeiro de 2009

Eris e Psique

Conta a lenda que dormia
Uma Princesa encantada
A quem só despertaria
Um Infante, que viria
De além do muro da estrada.
Ele tinha que, tentado,
Vencer o mal e o bem,
Antes que, já libertado,
Deixasse o caminho errado
Por o que à Princesa vem.
A Princesa Adormecida,
Se espera, dormindo espera,
Sonha em morte a sua vida,
E orna-lhe a fronte esquecida,
Verde, uma grinalda de hera.
Longe o Infante, esforçado,
Sem saber que intuito tem,
Rompe o caminho fadado,
Ele dela é ignorado,
Ela para ele é ninguém.
Mas cada um cumpre o
Destino
Ela dormindo encantada,
Ele buscando-a sem tino
Pelo processo divino
Que faz existir a estrada.
E, se bem que seja obscuro
Tudo pela estrada fora,
E falso, ele vem seguro,
E vencendo estrada e muro,
Chega onde em sono ela mora,
E, inda tonto do que houvera,
À cabeça, em maresia,
Ergue a mão, e encontra hera,
E vê que ele mesmo era
A Princesa que dormia.

- Fernando Pessoa

...ao menos eis o que se encontrou...

quarta-feira, 21 de janeiro de 2009

Choque Cultural


Arte pós-moderna !? Não, está muito mais para uma galeria under alternativa que segundo o site oficial é considerada como Street Art (Arte Urbana).

Choque Cultural é uma galeria de artes que fica em SP - São Paulo na rua João Moura nº.: 997, que atualmente se encontra com obras de artistas plasticos e pintores estrangeiros, entre eles se destaca as obras da pintora Tara Mcpherson (NY - E.U.A) com uma grande influência de personagens que aparentemente sairam de um show de Hardcore, além de flyers feitos pela pintora para bandas como Depeche Mode, Echo and the Bunnymen, Duran Duran, Death Cab for Cutie, Kraftwerk, Melvins, entre muitos outros.
Além da pintora, há também o escultor Adam Wallacavage (Philadelphia - E.U.A), que surpreende qualquer um com seus lustres esóticos, obras surrealista e fotos da sua casa vitoriana decorada por si mesmo, que impressionam até os mais críticos seguidores de Dali.


A galeria fica aberta de segunda-sábado das 12 às 19h.
Para mais informações: http://www.choquecultural.com.br/

imagem: Obra de Titi Freak na Choque Cultural em 2006

sexta-feira, 16 de janeiro de 2009

Cadáver Pega Fogo Durante o Velório / Malditos da MPB


Na capa do vinil: "Artificialmente limpa pelo processo Olivetti de tecladismo estéril, a MPB ultimamente não tem correspondido à violência do país que a produz. Pelo menos a MPB, emanada da burocracia do show-bizz e do oficialismo político do bom humor a preço de hiena. Fernando Pellon vai chocar essa hipocrisia generalizada vendida com rótulo de bom gosto e status. 'Nunca gostei de eufemismo', vai logo cantando ele. E dá nome às doenças, como fazia Augusto dos Anjos, com um requinte de morbidez que ainda perde, no entanto, para a crueldade exibida diariamente por nossas autoridades mais altas."

“Cadáver pega fogo durante o velório” é um samba ácido-obscuro. Encontrei o CD graças a um amigo e confesso que a curiosidade e a certeza de bons risos me levaram a ouvi-lo. Impressionei-me com o clima dark, parecia que alguém havia transformado as tragédias do jornal O Povo em poesia. Mórbido e desolado? Sim. Porém genial. Um CD que deve ser ouvido desarmado de pré-conceitos. É uma espécie de lenda que circula pela internet. Todas as músicas deste disco são de Fernando Pellon, à exceção de "Tal como Nazareth", composta em parceria com Paulinho Lêmos, e "Flores de Plástico ao Amanhecer", com Renato Costa Lima.

Fernando Pellon atualmente é geólogo da Petrobrás; não é famoso, não é rico, mas é tipo um Augusto dos Anjos dos tempos da década de oitenta, com direito a nomeação de doenças infecto-contagiosas e afins.

Fernando Pellon: http://www.myspace.com/fernandopellon

quinta-feira, 15 de janeiro de 2009

Poutz... assisti um filme.


Um Cão Andaluz (Um Chien Andalou), de Luis Buñuel, 1929.

Freud afirma que os sonhos são sistemas de símbolos acumulados e que, por esta propriedade, devem ser interpretados de maneira lógica. Inspirado por estes novos conceitos, em meados dos anos 20, André Breton se desgarra de seus parceiros dadaístas e propõe aos artistas e escritores, ao publicar seu primeiro manifesto do surrealismo, que expressassem o pensamento de maneira livre, espontânea e irracional, externando os impulsos da vida interior, sem exercer sobre ele qualquer controle, inclusive de ordem estética ou moral. O surrealismo, então, se caracteriza por um paradoxo ou um conflito que gera uma nova realidade, a surrealidade.

Os surrealistas, desta forma, passaram a utilizar os sonhos, as fantasias e todo material advindo do subconsciente através do que chamavam de automatismo consciente para a construção de suas obras.

Em Um Cão Andaluz, Luis Buñuel e Salvador Dali justapõem deliberadamente imagens que corriam em seus sonhos, sem qualquer lógica, violando a narrativa clássica. No filme, assim como nos sonhos, há deslocamentos de tempo e espaço. A ruptura de tempo ocorre através dos intertítulos que no lugar de auxiliar a construção narrativa, destroem-na. Já o deslocamento espacial se faz por um uso oportunista das locações. A rua e a praia ocupam o mesmo espaço fora do apartamento.

Seria muito vago ou deveras subjetivo de minha parte buscar uma interpretação para este filme. De fato, desde seu lançamento todo o tipo de interpretação já foi feita a seu respeito; desde “seu enredo seria uma viagem à mente perturbada de um assassino e as suas confissões traduzidas em imagens” até menções anti-cléricas. No entanto, o próprio Buñuel certa vez afirmou que qualquer idéia racional, preocupação estética ou técnica seria irrelevante e descartada. O que acontece, no entanto, é um efeito no qual o espectador busca por sentidos e lógicas, interpretações presas nos valores vigentes.

O único objetivo aparente em Um Cão Andaluz, no final das contas, é a busca por uma expressão artística que se refere não ao modelo externo, mas sim a outro, o interno, não condicionado por modelos culturais. Para Buñuel e Dali existe outra realidade, tão real e lógica como a exterior, que é a dos sonhos, da fantasia, dos jogos espontâneos do inconsciente que se desenvolve a margem de toda a função filosófica, estética ou moral. O filme quer transcender o mundo tangível e desvelar aos espectadores um universo até então desconhecido, encoberto pela percepção cotidiana das coisas.

quarta-feira, 14 de janeiro de 2009

Kafka por Kuper



Publicado nos EUA em 1995, oito anos antes de "A metamorfose", outra HQ baseada em obra do escritor Franz Kafka, "Desista!" (Conrad, pb, 64 pgs.) é mais um excelente trabalho do desenhista americano Peter Kuper, um mestre no preto-e-branco, a ser lançado no Brasil. Neste novo livro, o ilustrador atualmente conhecido pelas páginas "Spy Vs Spy", da "Mad", faz diferente, pois não pega apenas um texto do escritor tcheco, mas nove histórias curtas: "Uma pequena fábula" (1920), "A ponte" (1917), "Desista!" (1922), "Um artista da fome" (1922), "Um fratricídio" (1917), "O timoneiro" (1920), "As árvores" (1903-04), "O pião" (1920), e "O abutre" (1920). Leia um trecho aqui: .http://www.lojaconrad.com.br/trecho/desista_p1.asp
Peter Kuper ( http://www.peterkuper.com/ )

...é assim que ela tentava compactuar com a mediocridade de viver.

terça-feira, 13 de janeiro de 2009

Releitura - Escrever, humildade técnica


Essa incapacidade de atingir, de entender, é que faz com que eu, por instinto de... de quê? procure um modo de falar que me leve mais depressa ao entendimento. Esse modo, esse "estilo" (!), já foi chamado de várias coisas, mas não do que realmente e apenas é: uma procura humilde. Nunca tive um só problema de expressão, meu problema é muito mais grave: é o de concepção. Quando falo em "humildade" refiro-me à humildade no sentido cristão (como ideal a poder ser alcançado ou não); refiro-me à humildade que vem da plena consciência de se ser realmente incapaz. E refiro-me à humildade como técnica. Virgem Maria, até eu mesma me assustei com minha falta de pudor; mas é que não é. Humildade com técnica é o seguinte: só se aproximando com humildade da coisa é que ela não escapa totalmente. Descobri este tipo de humildade, o que não deixa de ser uma forma engraçada de orgulho. Orgulho não é pecado, pelo menos não grave: orgulho é coisa infantil em que se cai como se cai em gulodice. Só que orgulho tem a enorme desvantagem de ser um erro grave, com todo o atraso que erro dá à vida, faz perder muito tempo.
- Clarice Lispector

Texto extraído do livro "A Descoberta do Mundo", Editora Rocco.
Mutacões faiscantes que aqui registro, mutações que se foram e mesmo após décadas e décadas continua sendo, pois ser é infinito. E foi na 72 que a árvore do jardim estava sendo. Eu estou sendo, disse o garçom que se aproximou. Eu estou sendo, disse a água verde na piscina. Eu estou sendo, disse o mar azul do Mediterrâneo. Eu estou sendo, disse o mar verde e traiçoeiro. Eu estou sendo, disse a aranha e imobilizou a presa com o seu veneno. Eu estou sendo, disse uma criança que escorregava nos ladrilhos do chão e gritava assustada: mamãe! Eu estou sendo, disse a mãe que tinha um filho que escorregava nos ladrilhos que circundavam a piscina.

Estou sendo para vocês apenas mais um internauta solidário, mas estou sendo.

Gostaria de pedir desculpas pra algumas pessoas, pois inevitavelmente me encontro em sete celas psicologicas, e por isso meu único meio de comunicação com o mundo será por este blog. É capaz de alguem acabar me achando, e se achar, fique sabendo que em paz estou, e que irei tirar o tempo livre pra reformular algumas perguntas mas muito me precavendo pois as respostas seriam muito mais misteriosas.

Se entregue neste livro do prazer. Enjoy it.